Despir-se não é ficar nu, mas vestir-se apenas de você

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domingo, 9 de agosto de 2015

QUE SEJAM FELIZES PARA...



Casei na igreja. Dia 02 de outubro de 1999. De véu e grinalda, vestido branco, daminha, padrinhos e tudo que um tradicional casamento católico oferece. E com trilha sonora executada por um belo grupo de chorinho, que já tinha acompanhado Pixinguinha e outros bambas. Entrei na Igreja ao som de nada menos que Rosa: "tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor."

Só anos depois fui saber que a letra da valsa de Pixinguinha foi composta pelo mecânico Otávio de Souza, que morreu cedo e ficou conhecido apenas por essa música, popularizada na voz de Orlando Silva. Otávio foi morador do Engenho de Dentro, bairro que fica ao lado de onde eu cresci, Piedade. O fato me fez gostar ainda mais da música.

Mas voltando ao casamento. Como na letra, me senti majestosa entrando na igreja, com um vestido feito por uma grande costureira de SP (minha sogra morava em sampa e trabalhava nesse meio de casamentos) inspirado no de uma modelo famosa (mas que não lembro o nome), cujo casamento foi capa da revista argentina Hola. 

Achei-o ousado, era todo bordado, fechado na frente, mas com um cós que ia até a fenda do bumbum. O véu, preso na cabeça e na frente do vestido, emprestava pureza e diminuía o impacto do suntuoso decote. Pelo menos na cerimônia religiosa.

Apesar do vestido branco, eu não era mais virgem, mas poucos amigos (acho que nenhum, na verdade, nem o noivo, que só soube anos depois) imaginavam que eu tinha perdido a virgindade com o homem que me esperava no altar. Fui virgem além do tempo considerado normal para a época, ainda mais se tratando de alguém ousada, independente e nem um pouco tímida como eu. Disse virgem, não pura, pois já tinha feito sexo de outras maneiras que não me fizeram perdê-la. Longe do sonho de casar casta, na verdade tinha medo de engravidar, já que não podia usar pílula e a camisinha não era tão popular.

Aquela imagem de véu contrastava com a menina que se orgulhava da façanha de conseguir ser expulsa do Kabaré Kalesa, na Praça Tiradentes, um puteiro frequentado por jornalistas, que depois virou boate cult. Motivo: atentado violento ao pudor cometido junto com um go-go-boy da casa. Melhor voltar para as Rosas de Pixinguinha. 

A cerimonia foi linda, pela manhã, numa capela barroca de frente pro mar, numa praia de Niterói. Ou seja, com vista para o Rio. Não chorei, mas sem dúvida foi o casamento mais emocionante que assisti até hoje. Sem luxo, mas com estilo e personalidade. Capela pequena, repleta de amigos que madrugaram, muitos vindos de SP, para assistir às 10h da manhã de um sábado o enlace do que um colunista chamou de "Amor de Redação", título da nota que fez em nossa homenagem. 

Nos conhecemos no Jornal do Commercio, ele tinha acabado de entrar no jornal e eu estava saindo de férias. Parecia um anjo ao adentrar aquele jornal pela primeira vez. Cabelos longos dourados e terno bege claro - bem diferente do estilo dos jornalistas da época. Em poucos minutos já tinha um bolão de apostas para ver quem seria a felizarda que iria conquistar o príncipe. Ou cair nas suas garras, dependendo do ponto de vista. Como sou afeita a disputas, cancelei as férias e parti para o ataque. Em menos de uma semana estávamos namorando e, poucos anos depois, no altar. Sonho romântico que nunca esteve nos meus planos de vida.

Apesar do dia amanhecer com sol, choveu durante a cerimônia, o que, segundo a crença popular, significa sorte e vida longa à união.

Vida longa. Sorte. Dez anos se passaram e o casamento acabou.  Com ele, o estigma do "não ter dado certo", imposto pela sociedade. Ainda mais quando o rompimento é brusco e parte do lado feminino.

Desde então, sempre senti um peso por ter contrariado os preceitos daquela chuva no meio da cerimônia. Era como se nunca tivesse parado de chover, na minha cabeça.

30 de julho de 2015 fui assistir a peça 2 Casamentos, 
adaptação teatral de Luiz Rosemberg Filho para seu filme homônimo. Já tinha ido à estréia do filme, mas no meio de tanta gente e na correria que foi o dia naquela data, não me atentei tanto para o belíssimo texto e me fixei apenas na poesia estética. Já no teatro, mergulhei na história.

No roteiro, duas noivas refletem sobre o casamento, enquanto aguardam serem chamadas para o início de suas respectivas cerimônias. Uma tenta ver o lado romântico do casamento enquanto a outra convencê-la do quanto o casamento tradicional está atrelado ao comodismo de uma vida burguesa e sem sonhos. Bela analogia à vida e seu grande dilema de liberdade.

- Quem quiser pérolas, diamantes e esmeraldas que se vire. Eu to mudando.
- Mas o casamento não é só isso Dona Carminha.
- Não, não é só isso. É isso e mais o fim do desejo, da febre, a doença incurável.
- Que doença?
- Da solidão a dois.

De repente, a chuva na minha cabeça cessou. Chegando em casa, resgatei os negativos da cerimônia, que nunca tinham sido revelados, e estavam encaixotados. 

Pude então finalmente entender o verdadeiro significado daquela chuva. 

Obrigada Ro. 







fotos: meu casamento, arquivo pessoal
Link trailer do filme 2 Casamentos, de Luiz Rodemberg Filho

http://youtu.be/JW2EvhocB9c