Despir-se não é ficar nu, mas vestir-se apenas de você

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sexta-feira, 24 de julho de 2015

SER LOLITA É POP




(...) Ela tinha um nenúfar em seus cachos e era tão graciosa como uma mulher. Com ternura os mamilos dela floresceram, e lembrei-me a Primavera da minha vida na terra.

A descrição de uma menina sexualmente atraente, feita pelo escritor russo Vladimir Nabokov, no poema Lilith, em 1928, que teria inspirado o clássico Lolita, publicado por ele anos depois, nunca esteve tão atual no Brasil, mesmo em meio à moda de corpos sarados, tatuados e siliconados. 

O interesse de homens por meninas bem
mais jovens, as chamadas ninfetas, sempre fez parte do imaginário masculino e consequentemente inspiração para o mundo das artes. Em pleno século 21, contudo, ganhou contornos mais populares. 

Mesmo insinuando algumas vezes incesto e certa dose de pedofilia (que fique claro que sou contra pedofilia), a postura parece não ser considerada algo mais tão absurdo. E escondido. Ao contrário: ser e gostar de Lolita nunca foi tão pop.

Exemplos estão na ficção, a tirar pelas várias novelas que remetem ao tema (a mais recente, Verdades Secretas, mergulha totalmente na trama de Nobokov), na música, com as chamadas "novinhas" do cenário funk, nas revistas de moda e, como não poderia faltar, nos filmes pornôs - segundo estatísticas dos sites, as páginas das ninfetas são as mais acessadas. A ponto de ter subcategorias: colegiais, taradas, enteadas (para citar as menos pesadas). A popularidade pode ser medida inclusive pelo universo de mulheres que hoje opta pela depilação íntima total, no intuito de parecer com uma ninfeta e satisfazer o desejo masculino.

Bem diferente do cenário dos precursores do tema. O livro Lolita, que conta a história de um professor de meia-idade obsessivamente apaixonado por sua enteada, uma menina de 12 anos, e seus desdobramentos trágicos, foi rejeitado por quatro editoras norte-americanas que o consideravam indecente e pornográfico. Lolita só veio a ser publicado na França, em 1955. E apesar de Nabokov ter uma longa carreira como escritor em língua russa, foi originalmente escrito em inglês. 

Já a adaptação feita para o cinema por Stanley Kubrik, em 1962 - existe outro filme de Adrian Lyne, mais recente - teve que ser reescrita. Ele tentou diminuir o impacto ao aumentar a idade da personagem e escolheu uma atriz na idade adulta para o papel, Sue Lyon. Mesmo assim, a Lolita de Kubrick não deixou de provocar reações.

E a saída encontrada pelo diretor não agradou Nabokov, que tinha um conceito bem definido para ninfeta - palavra surgida com o próprio romance, a partir do termo mitológico ninfas, para classificar o estereótipo de menina adolescente sexualmente hiperdesenvolvida e sedutora. Nove e 14 anos seriam os extremos das idades para classificá-las. Ou seja, nove anos era considerada quase muito nova e 14 quase muito velha.

As ninfetas popularizadas hoje também usam do artifício de Kubrick para serem aceitas pela sociedade e evitar acusações de estímulo à pedofilia - estão entre 16 e 18 anos, idades na qual são vistas dentro da chamada "maioridade sexual" (ainda que perante a lei sejam menores de idade).

Num universo no qual as meninas se desenvolvem sexualmente cada vez mais cedo, as Lolitas tendem a se proliferar. A minha experiência foi ao estilo Kubrick, aos 15 anos. E sem os contornos trágicos do romance de Nabokov. Mas com a malícia típica de uma ninfeta. Que acredito ter mantido até hoje.

O que o tempo e nem a ficção não conseguiram desvendar são os motivos de tamanho fascínio. Simples fantasia ou depravação? Não cabe a esse espaço julgar, ainda mais sendo algo tão subjetivo. No caso do personagem do romance de Nabokov, o trauma por ter perdido uma paixão na infância foi a explicação

Necessidade de reviver a juventude, vaidade. Há quem diga preferir as  "novinhas" devido à aparência física delas, ainda cheia de frescor. Outros dizem ser a anatomia do órgão genital de mulheres mais jovens, considerado bem mais "apertado".

Eu poderia arriscar uma lista de motivos, mas vou deixar vocês pensando no tema. 










Fotos (por ordem):

Retrato de nu, olhar da fotógrafa alemã Ellen von unwerth

Camila Queiroz, atriz que interpreta a personagem Angel, na novela
Verdades Secretas (Brasil)

Mariana Ruy Barbosa, a Sweet Child da novela Império

As Lolitas do cinema, na versão de Stanley Kubrick e  
Adrian Lyne.

















 

 

  



 






 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

MINHA VIDA DEPOIS DO NU


Esse era o título da capa da revista Manchete de 8 de abril de 2000. Por coincidência, me deparei com a revista na véspera de um ensaio que aceitei fazer para o fotógrafo Jorge Bispo - algo livre, para portfólio. Na matéria, atrizes, celebridades e subcelebridades da época, como Xuxa, Myrian Rios, Feiticeira, Tiazinha, Carla Perez e a sem-terra Débora Rodrigues, entre outras, falavam sobre a experiência de se despirem à frente das câmeras, ou quase, para publicações comerciais como Ele Ela e Playboy - as principais da época.
Com exceção de Xuxa, contratada da Globo, que por motivos óbvios não deu entrevista, e a atriz Myrian Rios, que teve um terrível surto de amnésia e disse não lembrar ter sido a capa da Ele Ela, todas falavam com orgulho do trabalho e o quanto ele teria impulsionado profissionalmente e financeiramente (teve até quem conseguiu, com o cachê, comprar apartamentos em áreas nobres do Rio e de São Paulo) suas carreiras.



Dez anos depois, me fiz a mesma pergunta imaginando as últimas capas e ensaios envolvendo esse tipo de trabalho. Obviamente não me refiro a experiências de cunho mais autoral. Falo dos ensaios artísticos com pegada comercial, que muitas feministas criticam - o que não é meu caso.
Para minha surpresa, numa rápida zapeada pelas emissoras de tevê à noite, encontrei algumas respostas. Num programa de auditório, ex-modelos, subcelebridades e artistas que ganharam algum destaque, muitas apenas por conta dos ensaios, falavam com desdém de terem feitos trabalhos desse tipo. "Não sei onde eu estava com a cabeça quanto topei, acho que eu era muito inexperiente na época", afirmava uma ex-BBB, ao mesmo tempo que tentava segurar a saia arroxada no corpo, que insistia em subir e deixar bem evidente suas acentuadas curvas.
Assim como ela, outras moças de pouca roupa diziam não entender como foram capazes de "tamanha ousadia".



Me senti a mais despudorada das mulheres - afinal já tinha feito um ensaio para o site Paparazzo e três ou quatro outros para trabalhos de amigos. E estava prestes a encarar mais um. Em todos me entreguei sem nenhum pudor - afinal essa era a proposta. 

Um parênteses: num trabalho como esse não rola uma grande suruba onde todos transam a cada intervalo das fotos. São trabalhos profissionais onde todos estão preocupados com o resultado - e isso envolve equipe e muitos detalhes técnicos. Também sinto informar que as pessoas não cheiram carreias de pó para se sentirem mais soltas - pode cheirar quem quiser, assim como em outras profissões (em mercado financeiro, vi muito), mas isso não é pré-requisito para um ensaio.

Da parte da(o) modelo, o que rola é uma grande magia, uma sensação de liberdade, de se despir de modismos, preconceitos e até as imperfeições do corpo são esquecidas depois do terceiro clique. E se rolar química com o fotógrafo, daí é como uma boa trepada - no lado poético da palavra, sem toque. E o resultado pode ser percebido nas fotos.

Mas se é tão bom porque tanto preconceito? Infelizmente, essa onda de conservadorismo que assola o país, na contramão de toda a suruba social e política, desvaloriza esse tipo de trabalho, assim como quem o faz.



Ao contrário da matéria da Manchete, hoje um ensaio não compra nem uma charrete e ainda joga para uma certa "lista negra" das agências de publicidade as modelos que têm essa experiência no currículo. Poucos sabem, algumas empresas, principalmente bancos e indústrias de produtos de beleza, têm em seus contratos de publicidade cláusulas que impedem a contratação, para suas peças publicitárias, de modelos que já fizeram algum ensaio de nu. Senti isso na pele a ponto de ter que criar um outro nome artístico para ser aprovada em alguns trabalhos - e fui, com novo nome, tamanha é a hipocrisia. Outro parênteses: estão incluídas nesse grupo de empresas, algumas que hoje fazem marketing anti-preconceito, com propagandas que dão destaque a, por exemplo, relacionamento entre pessoas do mesmo sexo - numa jogada totalmente oportunista e que esconde seus reais valores.

Em resumo, vivemos numa sociedade onde todos são santos e virgens. Mesmo que do Paoco, não importa. Prefiro pensar como a designer e modelo Anne Mantovani, no belo texto, intitulado Posei nua e daí?, que escreveu para um blog feminino. E continuar fazendo o que bem entender com o meu corpo, mesmo que deixe de ser a garota propaganda de um grande banco. Ah, acho que rolou química no ensaio, pois achei o resultado lindo, que publico aqui, com muito orgulho, em primeira mão.



"Quero mostrar para sociedade que meu corpo não é ofensivo. Que a nudez é a forma mais natural do ser. Quero que as pessoas enxerguem o corpo como arte, ou minimamente, como um simples corpo, sem agregar elementos ou concepções sujas a respeito. E mesmo que seja pornográfico, o sexo é natural."

Que jogue a primeira calcinha quem nunca teve vontade de fazer ou de ver. 

APN

Fotos Jorge Bispo
Capa Revista Manchete









 

terça-feira, 7 de julho de 2015

PUTAS, SE NÃO SOMOS, SOMOS FILHOS


Em tempos de Book Rosa, onde mulheres que vendem o corpo se escondem sob o título de "modelo", tornando ainda maior o preconceito para com a profissão, lembrei da polêmica que gerou o título do meu curta "As últimas putas de Paris" (trailer: http://youtu.be/lNtYCeP03kg), com os relatos das lembranças de mulheres que trabalhavam em um dos prostíbulos mais antigos do Rio de Janeiro, o Hotel Paris, na sua última noite antes de fechar. 

"O filme é lindo, só não entendi porque quis nos chamar de puta no título", exclamou uma das personagens, a mais antiga do Hotel Paris, que em seus depoimentos mostrava orgulho em trabalhar como prostituta.

Na hora, fiquei sem muita resposta. Decidi pelo nome antes mesmo de começar as filmagens e ao pesquisar sobre elas. Quis fazer uma alusão ao título do filme "O último tango em Paris", por conta da semelhança sonora e por conter cenas quentes. Ao mesmo tempo, achava a palavra puta forte, à altura daquelas mulheres que lá encontrei.

Mas nunca tinha me passado pela cabeça o quanto o termo puta era ofensivo para algumas delas - talvez a maior parte do universo de mulheres que trabalham com prostituição.

Desde então, não parei de pesquisar sobre o tema. E lembrei, com o assunto das modelos prostitutas em evidência, de falar sobre ele. Pouco se discute até hoje, de forma séria, não só no Brasil, sobre a profissão, considerada a mais antiga do mundo. O estigma em relação às prostitutas infelizmente impede que elas tenham os mesmos direitos que qualquer outra trabalhadora brasileira.

Para quem não sabe - e isso inclui muitos que utilizam o serviço, homens e mulheres - prostituição individual é legalizada, desde 2002, no Brasil (o que não inclui menores de idade), mas a profissão não é regulamentada. É crime, descrito no Código Penal, o uso de espaços privados como locais de troca de sexo por dinheiro, o que joga as profissionais para o submundo, já que oficialmente não podem sequer usar seus apartamentos. A criminalização dos locais de prostituição fomenta a corrupção, já que as casas, registradas com nomes de clínicas ou boates, acabam pagando propina para Governo, policiais ou bandidos (ou todos juntos). E criam a figura do cafetão - com todo seu aspecto negativo.

Na prática,  a profissão é considerada politicamente ilegítima. O tema só costuma ser lembrado, em junho, quando, no dia 02, se comemora o Dia Internacional das Prostitutas, conhecido como Puta Dei. A data é marcada desde 1975, quando as profissionais do sexo fizeram um grande movimento, por seus direito, em Lyon, na França, em 2 de junho de 1975. (Vejam o lindo documentário La Révolte des prostitués de Saint-Nizier, de Eurydice Aroney e Julie Beressi).


Até hoje, no Brasil, pouco se avançou em termos de lei. A primeira tentativa de inserir a pauta na Câmara, feita pelo ex-deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), com o PL377/2011, durante o seu mandato (1995-2011), teve seu documento arquivado logo depois de o parlamentar deixar o cargo.

E o retorno das prostitutas à mesa de debate voltou apenas em 2012, com Jean Wyllys (PSOL-RJ), no Projeto de Lei Grabriela Leite - nome da fundadora da Daspu, movimento cultural e de protesto criado em 2005. (Ao contrário da maioria da classe, Gabriela sempre defendia, com orgulho, a palavra Puta. Segundo ela, o nome Daspu, significava "'de + a = das' e 'pu'  somos nós").

Só que, mesmo com o esforço da Daspu, entramos em 2015 e nada foi aprovado. Enquanto isso, trabalhadoras sexuais pagam 20% do que ganham em impostos, mas não têm nenhum benefício garantido pelas leis trabalhistas. “Pagamos impostos, e quem se beneficia? A sociedade. Toda sociedade é cafetina, e o governo é o grande dono do puteiro", disse Indianara Siqueira, prostituta e ativista digital, em uma entrevista recente à revista Carta Capital.

Em resumo, não somos Puta, mas parecemos ser todos filhos de uma - no sentido pejorativo do termo. Espero que essa realidade mude e que o título do meu filme ainda sirva de orgulho para essas mulheres.

Com a palavra, Gabriela Leite. Imperdível.


Fotos
Mata Hari (arquivo livre)
Bastidores As últimas putas de Paris