Despir-se não é ficar nu, mas vestir-se apenas de você

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terça-feira, 7 de julho de 2015

PUTAS, SE NÃO SOMOS, SOMOS FILHOS


Em tempos de Book Rosa, onde mulheres que vendem o corpo se escondem sob o título de "modelo", tornando ainda maior o preconceito para com a profissão, lembrei da polêmica que gerou o título do meu curta "As últimas putas de Paris" (trailer: http://youtu.be/lNtYCeP03kg), com os relatos das lembranças de mulheres que trabalhavam em um dos prostíbulos mais antigos do Rio de Janeiro, o Hotel Paris, na sua última noite antes de fechar. 

"O filme é lindo, só não entendi porque quis nos chamar de puta no título", exclamou uma das personagens, a mais antiga do Hotel Paris, que em seus depoimentos mostrava orgulho em trabalhar como prostituta.

Na hora, fiquei sem muita resposta. Decidi pelo nome antes mesmo de começar as filmagens e ao pesquisar sobre elas. Quis fazer uma alusão ao título do filme "O último tango em Paris", por conta da semelhança sonora e por conter cenas quentes. Ao mesmo tempo, achava a palavra puta forte, à altura daquelas mulheres que lá encontrei.

Mas nunca tinha me passado pela cabeça o quanto o termo puta era ofensivo para algumas delas - talvez a maior parte do universo de mulheres que trabalham com prostituição.

Desde então, não parei de pesquisar sobre o tema. E lembrei, com o assunto das modelos prostitutas em evidência, de falar sobre ele. Pouco se discute até hoje, de forma séria, não só no Brasil, sobre a profissão, considerada a mais antiga do mundo. O estigma em relação às prostitutas infelizmente impede que elas tenham os mesmos direitos que qualquer outra trabalhadora brasileira.

Para quem não sabe - e isso inclui muitos que utilizam o serviço, homens e mulheres - prostituição individual é legalizada, desde 2002, no Brasil (o que não inclui menores de idade), mas a profissão não é regulamentada. É crime, descrito no Código Penal, o uso de espaços privados como locais de troca de sexo por dinheiro, o que joga as profissionais para o submundo, já que oficialmente não podem sequer usar seus apartamentos. A criminalização dos locais de prostituição fomenta a corrupção, já que as casas, registradas com nomes de clínicas ou boates, acabam pagando propina para Governo, policiais ou bandidos (ou todos juntos). E criam a figura do cafetão - com todo seu aspecto negativo.

Na prática,  a profissão é considerada politicamente ilegítima. O tema só costuma ser lembrado, em junho, quando, no dia 02, se comemora o Dia Internacional das Prostitutas, conhecido como Puta Dei. A data é marcada desde 1975, quando as profissionais do sexo fizeram um grande movimento, por seus direito, em Lyon, na França, em 2 de junho de 1975. (Vejam o lindo documentário La Révolte des prostitués de Saint-Nizier, de Eurydice Aroney e Julie Beressi).


Até hoje, no Brasil, pouco se avançou em termos de lei. A primeira tentativa de inserir a pauta na Câmara, feita pelo ex-deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), com o PL377/2011, durante o seu mandato (1995-2011), teve seu documento arquivado logo depois de o parlamentar deixar o cargo.

E o retorno das prostitutas à mesa de debate voltou apenas em 2012, com Jean Wyllys (PSOL-RJ), no Projeto de Lei Grabriela Leite - nome da fundadora da Daspu, movimento cultural e de protesto criado em 2005. (Ao contrário da maioria da classe, Gabriela sempre defendia, com orgulho, a palavra Puta. Segundo ela, o nome Daspu, significava "'de + a = das' e 'pu'  somos nós").

Só que, mesmo com o esforço da Daspu, entramos em 2015 e nada foi aprovado. Enquanto isso, trabalhadoras sexuais pagam 20% do que ganham em impostos, mas não têm nenhum benefício garantido pelas leis trabalhistas. “Pagamos impostos, e quem se beneficia? A sociedade. Toda sociedade é cafetina, e o governo é o grande dono do puteiro", disse Indianara Siqueira, prostituta e ativista digital, em uma entrevista recente à revista Carta Capital.

Em resumo, não somos Puta, mas parecemos ser todos filhos de uma - no sentido pejorativo do termo. Espero que essa realidade mude e que o título do meu filme ainda sirva de orgulho para essas mulheres.

Com a palavra, Gabriela Leite. Imperdível.


Fotos
Mata Hari (arquivo livre)
Bastidores As últimas putas de Paris




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