Esse era o título da capa da revista Manchete de 8 de abril de 2000. Por coincidência, me deparei com a revista na véspera de um ensaio que aceitei fazer para o fotógrafo Jorge Bispo - algo livre, para portfólio. Na matéria, atrizes, celebridades e subcelebridades da época, como Xuxa, Myrian Rios, Feiticeira, Tiazinha, Carla Perez e a sem-terra Débora Rodrigues, entre outras, falavam sobre a experiência de se despirem à frente das câmeras, ou quase, para publicações comerciais como Ele Ela e Playboy - as principais da época.
Com exceção de Xuxa, contratada da Globo, que por motivos óbvios não deu entrevista, e a atriz Myrian Rios, que teve um terrível surto de amnésia e disse não lembrar ter sido a capa da Ele Ela, todas falavam com orgulho do trabalho e o quanto ele teria impulsionado profissionalmente e financeiramente (teve até quem conseguiu, com o cachê, comprar apartamentos em áreas nobres do Rio e de São Paulo) suas carreiras.
Dez anos depois, me fiz a mesma pergunta imaginando as últimas capas e ensaios envolvendo esse tipo de trabalho. Obviamente não me refiro a experiências de cunho mais autoral. Falo dos ensaios artísticos com pegada comercial, que muitas feministas criticam - o que não é meu caso.
Para minha surpresa, numa rápida zapeada pelas emissoras de tevê à noite, encontrei algumas respostas. Num programa de auditório, ex-modelos, subcelebridades e artistas que ganharam algum destaque, muitas apenas por conta dos ensaios, falavam com desdém de terem feitos trabalhos desse tipo. "Não sei onde eu estava com a cabeça quanto topei, acho que eu era muito inexperiente na época", afirmava uma ex-BBB, ao mesmo tempo que tentava segurar a saia arroxada no corpo, que insistia em subir e deixar bem evidente suas acentuadas curvas.
Assim como ela, outras moças de pouca roupa diziam não entender como foram capazes de "tamanha ousadia".
Me senti a mais despudorada das mulheres - afinal já tinha feito um ensaio para o site Paparazzo e três ou quatro outros para trabalhos de amigos. E estava prestes a encarar mais um. Em todos me entreguei sem nenhum pudor - afinal essa era a proposta.
Um parênteses: num trabalho como esse não rola uma grande suruba onde todos transam a cada intervalo das fotos. São trabalhos profissionais onde todos estão preocupados com o resultado - e isso envolve equipe e muitos detalhes técnicos. Também sinto informar que as pessoas não cheiram carreias de pó para se sentirem mais soltas - pode cheirar quem quiser, assim como em outras profissões (em mercado financeiro, vi muito), mas isso não é pré-requisito para um ensaio.
Da parte da(o) modelo, o que rola é uma grande magia, uma sensação de liberdade, de se despir de modismos, preconceitos e até as imperfeições do corpo são esquecidas depois do terceiro clique. E se rolar química com o fotógrafo, daí é como uma boa trepada - no lado poético da palavra, sem toque. E o resultado pode ser percebido nas fotos.
Mas se é tão bom porque tanto preconceito? Infelizmente, essa onda de conservadorismo que assola o país, na contramão de toda a suruba social e política, desvaloriza esse tipo de trabalho, assim como quem o faz.
Ao contrário da matéria da Manchete, hoje um ensaio não compra nem uma charrete e ainda joga para uma certa "lista negra" das agências de publicidade as modelos que têm essa experiência no currículo. Poucos sabem, algumas empresas, principalmente bancos e indústrias de produtos de beleza, têm em seus contratos de publicidade cláusulas que impedem a contratação, para suas peças publicitárias, de modelos que já fizeram algum ensaio de nu. Senti isso na pele a ponto de ter que criar um outro nome artístico para ser aprovada em alguns trabalhos - e fui, com novo nome, tamanha é a hipocrisia. Outro parênteses: estão incluídas nesse grupo de empresas, algumas que hoje fazem marketing anti-preconceito, com propagandas que dão destaque a, por exemplo, relacionamento entre pessoas do mesmo sexo - numa jogada totalmente oportunista e que esconde seus reais valores.
Em resumo, vivemos numa sociedade onde todos são santos e virgens. Mesmo que do Paoco, não importa. Prefiro pensar como a designer e modelo Anne Mantovani, no belo texto, intitulado Posei nua e daí?, que escreveu para um blog feminino. E continuar fazendo o que bem entender com o meu corpo, mesmo que deixe de ser a garota propaganda de um grande banco. Ah, acho que rolou química no ensaio, pois achei o resultado lindo, que publico aqui, com muito orgulho, em primeira mão.
"Quero mostrar para sociedade que meu corpo não é ofensivo. Que a nudez é a forma mais natural do ser. Quero que as pessoas enxerguem o corpo como arte, ou minimamente, como um simples corpo, sem agregar elementos ou concepções sujas a respeito. E mesmo que seja pornográfico, o sexo é natural."
Que jogue a primeira calcinha quem nunca teve vontade de fazer ou de ver.
APN
Fotos Jorge Bispo
Capa Revista Manchete
Corpo são mente sã
ResponderExcluirAna é uma ilha de ética, honestidade e... a palavra da moda...transparência (ainda tá na moda? detesto palavras da moda) cercada por um pensamento de uma sociedade que evolui socialmente na velocidade de uma tartaruga... Lindo texto !!!
ResponderExcluirthat`s my girl...orgulho de ser teu amigo Ana Paula Nogueira...de verdade...
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