Despir-se não é ficar nu, mas vestir-se apenas de você

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domingo, 31 de maio de 2015

O dia em que Monique chegou seminua numa liteira



Quando o prefeito Saturnino Braga abriu o Carnaval de 1986 e entregou ao rei Momo Edson Santana  as chaves da cidade pedindo ao povo carioca uma "alegria civilizada", não imaginava que horas depois uma morena escultural faria os foliões quase perderem completamente as estribeiras.

A morena escultural era a top-model Monique Evans, que adentrou o Baile do Champagne, no Clube Monte Líbano, seminua - na verdade com um biquini de strass que servia mais para iluminar as partes íntimas do que cobrir - a bordo de uma liteira carregada por quatro homens afrodescendentes, numa aparição triunfal. Para quem não sabe, Liteira é uma cadeirinha portátil e coberta, sustentada por dois varais compridos e conduzida por animais ou escravos, na traseira e na frente. Era muito usada na época do Brasil Colônia.

"Nessa hora, eram umas 11h, o salão devia ter umas 15 mil pessoas. Foi uma loucura, eu não conseguia tirar ela do salão. Tinha uma espécie de segundo andar, que eram os camarotes, puxei ela por cima", contou para o blog Humberto Saade, idealizador do baile e dono da lendária marca Dijon. Monique apresentou um baile sensual, idealizado pelo coreógrafo Zé Reinaldo, numa ideia bolada por Saade para transformá-la em "rainha do Oriente". Os foliões "enfeitiçados" queriam tocar em Monique.

Foi graças também a audácia e determinação do empresário que o feito ganhou a primeira página dos jornais cariocas, a tempo de ainda pegar os convidados na festa, numa época em que a fotografia ainda não era digital - e nem existiam Facebook ou Instagram. "Eu tinha muita força no Jornal do Brasil, que era o top. Falei para um diretor: eu quero a primeira página para a Monique numa liteira. Ele me respondeu: Humberto, eu fecho a edição aqui meia-noite, como é que você vai fazer isso?".  Pois as fotos chegaram a tempo de ilustrar não só a capa da edição de sábado do JB como a edição de capa do Segundo Caderno de O Globo, com matéria de destaque dentro.

Saade arrumou dois amigos de moto, fotografou, pegou os negativos e enviou para os jornais, "Quem fez o texto foi Zózimo", afirma o empresário. Quatro horas da manhã, o jornal, comprado por Humberto em bancas próximas, era distribuído para os foliões que ainda se esbaldavam no baile. 

Monique tinha acabado de ser contratada pela Dijon, grife carioca que marcou uma época por sua ousadia ao estampar mulheres vestindo apenas as calças jeans, seu carro chefe, nuas da cintura para cima, escondendo ou mostrando de relance os seios. O jeans, que está sendo relançado, era objeto de desenho do closet de toda patricinha carioca. 

Monique substituiu Luiza Brunet e mais tarde deu lugar a Vanessa de Oliveira. Também carregaram o nome Dijon a atriz Beth Faria e a ex-Miss Brasil Rejane Medeiros.

"Quando você lembra da marca Dijon, você lembra bons momentos, aqueles anos dourados, grandes desfiles e noites maravilhosas." O Baile do Champagne foi um dos muitos promovidos por Saade e serviu para lançar o champanhe que levava o nome da grife. 

Não tive a sorte de ter idade suficiente para presenciar o feito de Monique - quem sabe até estar no lugar dela. Hoje infelizmente o Rio de Janeiro encaretou para esse tipo de ousadia. A tirar pelo escândalo que é o topless nas praias.

Bailes como o do Champagne ou mesmo os do Scala eram frequentados pela fina flor do socity. E o povão lotava a porta dos salões para ver os convidados entrarem. "Rolava de tudo, menos drogas, mas tinha glamour", afirma o empresário. E os artistas aproveitavam para soltar a franga, sem se preocupar muito com as indesejáveis selfies de fãs ou os paparazzis sensacionalistas das redes sociais. 

Naquele dia, entre as personalidades presentes, segundo os jornais, estavam o jogador Carlos Alberto e sua mulher, a atriz Terezinha Sodré; a ex-Miss Brasil Adalgisa Colombo e seu marido, Flávio Teruskim; o ator Mário Gomes; o presidente do Banerj, Carlos Alberto Rodrigues; o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, José Augusto de Brito; e o cabeleireiro Jambert.

“Essa tradição não pode morrer. Um bom baile de salão tem que ter um tanto de puta, veado e, principalmente, folião — aquele que dança a noite toda e agita o salão. Hoje em dia, na maioria dos bailes, ninguém dança”, decretou Humberto, certa vez numa reportagem. "É importante saber misturar. Eu chegava a dar cerca de sete mil convites para pessoas que sabia que iam fazer a alegria da festa. O society não faz baile, apenas assiste. Quem faz o sucesso de um evento assim é o povão”, completou.

Os anos 80 também ficaram marcados pela chamadas "top-models" e suas aparições de topless nas praias e como rainhas de bateria nas escolas de samba. Nesse aspecto, Monique também marcou época e o posto. Naquele ano, ela saiu na Mocidade Independente de Padre Miguel, com os seios à mostra.

Saade também reivindica a criação do título Rainha da Bateria, numa ideia oferecida para o então presidente da Beija Flor, Anísio Abraão David. Mas isso eu conto em outro post.

fotos: arquivo O Globo









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